quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Exército Zapatista de Libertação Nacional

“Assim sendo, é muito difícil acreditar num futuro promissor, de crescimento, aumento do emprego, modernidade,justiça social e quiçá, de democracia” – Wilson Cano.

Constituída por 31 estados e um Distrito Federal o México é uma república federativa. O PIB apresentou em 2007 a cifra de 1.136 trilhões de dólares a uma taxa de crescimento anual de 4,5%, sendo o seu PIB per capita da ordem de 12.772 dólares. O IDH em 2006 foi considerado elevado pelo padrão da ONU apresentando taxa de 0.842 classificando o país em qüinquagésimo primeiro lugar sendo a expectativa de vida 76,2 anos, a mortalidade infantil em torno de 16,7 para cada mil nascimentos segundo a UNESCO juntamente com a taxa de alfabetização em torno de 93,6% da população.

O México possui forte e diversificada economia ocupando a posição de segunda maior da América Latina de acordo com a CEPAL e décimo segundo lugar no ranking mundial sendo considerado pelo FMI um país desenvolvido, seus principais produtos são na agricultura: cana de açúcar, milho, sorgo, trigo, laranja, tomate, banana, feijão, batata, uva, algodão. Na pecuária e na pesca: bovinos, suínos, caprinos, ovinos, eqüinos, camarão, sardinha, anchova. Na mineração: petróleo, gás natural, carvão, ferro, cobre, zinco, chumbo, manganês, prata, ouro, enxofre e urânio. No setor industrial: máquinas e equipamento de transporte, máquina elétricas, alimentos e bebidas, produtos químicos, tecidos, metalurgia, papel, calçado. Sendo a taxa de desemprego no México segundo dados estatísticos do Governo em 2006 da ordem 3,2% da população e o subemprego estimado em torno de 37% desta. Apesar dos dados elucidados e da boa posição econômica granjeada pelo México estima-se que metade da população viva abaixo da linha de pobreza - 50,2 milhões de pessoas - como conseqüência das políticas econômicas implementadas desde 1976 onde a partir da gestão do presidente López Portillo é verificado o primeiro ensaio neoliberal do país representando, desta maneira, o fim de um processo de políticas desenvolvimentistas e “substitutivas de importações[1]. Analisaremos este processo objetivando entender as bases sob as quais se constituíram o argumento do atual movimento zapatista configurado como EZNL – Exército Zapatista Nacional de Libertação. Entendendo, deste modo, a face até então oculta da realidade mexicana desmascarada pelo movimento em 1º de janeiro de 1994, data correspondente ao ingresso do México no NAFTA – North American Free Trade Area – bloco econômico que integra além dele os EUA e Canadá com o intuito de se constituir, teoricamente, uma área de livre comércio entre estes países. Vejamos, pois as conseqüências destes movimentos.

Ensaio Liberalizante

Como assinalamos acima, a partir da década de 1970 a tecnocracia ortodoxa entra em cena no cenário político do México rompendo com a corrente teórica keynesiana-cepalina - á qual privilegiava a política expansionista elaborada por John M. Keynes e a substitutiva de importações desenvolvida pelo economista Raúl Prebish, diretor da CEPAL (Centro de estudos econômicos para a América Latina), onde se visava o desenvolvimento econômico dos países da América Latina como forma de diminuir a desigualdade dos termos de troca com o Centro e alcançar a autonomia industrial -, desta maneira, as medidas adotadas para conter os desequilíbrios externo das contas públicas que havia sido fortemente estimulado pelo crescimento acelerado do país até 1974 apontam a direção da liberalização econômica. Entre as medidas temos a diminuição de tarifas para a exportação como forma de estimular a atividade petroleira, eliminou-se também impostos específicos sobre as importações o que em contra partida gerava forte pressão cambial valorizando-o, soma-se a isso a especulação do capital estrangeiro e pós 1979 a alta dos juros internacionais. Cabe destacar que durante todo o período de 1970-82 a ação do Estado na tentativa de diversificar a economia cria instituições sendo estas empresas, fundos específicos etc. onde este absorve a partir 1976 boa parte das empresas endividadas do capital privado mexicano aumentando a crise da dívida externa pública que em 1981 apresenta a cifra de 75 bilhões de dólares pressionando mais a alta inflacionária e contaminando o sistema financeiro dolarizando uma parcela deste e instabilizando-o. Desta maneira, evidenciamos por meio do Cano as bases que promoveram a liberalização do sistema onde á partir de 1985, dada a gravidade da crise da dívida, as reformas do Estado vão de encontro à estatização e privatização liquidando boa parte de suas instituições sendo estas cerca de 1.155 em 1982 e ao final de 1988 estas somavam 412 entidades rendendo ao Estado o valor estimado em 500 milhões de dólares via privatizações. A dimensão da crise permitiu também modificações informais nas relações trabalhistas tais como reajustamentos salariais, aumento das terceirizações, dos contratos temporários, debilitamento do poder sindical especialmente quando se refere às maquiladoras[2]. Diante dos dados apresentados concluímos que durante o período que se estende de 1981-88 a economia mexicana se estagna consumindo anualmente valor superior a 6% do PIB como forma de aliviar a pressão exterior sofrida pela dívida. As conseqüências sociais deste período podem ser assim resumidas: a distribuição de renda para os 20% mais pobres da população que em 1984 recebiam 7,9% passa em 1989 para 6,2%, os 20% seguintes passam de 12,3% para 10,1%; os domicílios considerados abaixo da linha pobreza que em 1984 eram em torno 34% em 1989 passam a 39%, durante o mesmo período os domicílios considerados abaixo da linha de indigência sobe de 11% para 14%[3] comprovando uma vez mais a “eficiência” do modelo neoliberal na construção de um modelo social econômico sustentável e igualitário...

Abertura e Crise (1988-98)

Foi durante a administração do ex-ministro Salinas que a abertura e desregulamentação da economia mexicana puderam ser de fato concretizadas via a inserção desta ao NAFTA por meio da TLCAN – Tratado de Livre Comércio da América do Norte – cujo objetivo desta era conter os fluxos migratórios do México para os EUA, suprir a demanda estadunidense por petróleo, consolidar um “espaço de produção, inversão e consumo[4] para enfrentar a concorrência da CEE – atual União Européia – e também do Japão, como também se assegurar de que as patentes e a propriedade intelectual estadunidense fossem respeitadas. O resultado da liberalização foi amplamente sentido quando se instaurou a crise cambial e financeira do México em 1994-95 alimentando ainda mais a crise social e política[5] procedentes da década anterior é neste contexto que emerge da luta social o movimento zapatista. Mas, anterior a isto veremos de forma sucinta as conseqüências da crise sabendo-se que a entrada do México no NAFTA permitiu que 30% das propriedades bancárias possam se tornar propriedade do capital estrangeiro passando a 51% em 1998 e a 100% em 2000, como é o caso da mineração onde 100% destas empresas já podem ser possuídas pelo capital estrangeiro sendo este setor o terceiro mais lucrativo a nível mundial, eliminação da obrigatoriedade do Estado em ceder terras para os camponeses e indígenas permitindo com isso à privatização dos ejidos – são terras utilizadas pelos indígenas por meio da posse coletiva destas garantidas pelo artigo 27 da Constituição Mexicana de 1917 que impede a expropriação ou mesmo alienação das mesmas – e propriedades comunais destruindo desta forma a lei existente desde 1915, a petroquímica básica sofreu 49% de privatização sendo a PMEX – Petroleos Mexicanos – dividida em quatro empresas e as novas empresas oriundas destas poderão ser 100% privatizadas, a produção de petróleo não foi privatizada, mas as reservas mexicanas estão sob o controle estadunidense que as exigiram como uma garantia dos empréstimos solicitados ao socorro emergencial de 50 bilhões de dólares para que o rombo cambial fosse contido. Desta forma, analisando os indicadores sociais do período notamos que eles são praticamente os mesmos aos referidos acima no final da seção Ensaio liberalizante o que nos permite concluir que durante a quarta parte de século onde o desenvolvimento neoliberal foi adotado os resultados econômicos deste movimento ficaram estagnados e no tocante à questão social esta piora só demandou uma socialização maior das perdas em benefício do capital privado.

ELZN – Insurgência

“Nós chegamos à selva como uma clássica elite revolucionária em busca desse sujeito, o proletariado, no caso da revolução marxista-leninista. Mas essa proposta inicial entrou em choque com as propostas das comunidades indígenas, que têm outro substrato, uma complexa pré-história de emergências e insubmissões. Nós modificamos nossa proposta interativamente. O EZLN não nasce de propostas urbanas, mas tampouco de propostas vindas exclusivamente das comunidades indígenas. Nasce dessa mescla, desse coquetel molotov, desse choque que produz um novo discurso” - Subcomandante Marcos porta voz do EZLN.

Analisado o contexto econômico da realidade social mexicana é válido afirmar que o EZLN, no primeiro momento, é uma resposta ao próprio processo de ruptura com os objetivos do Estado-Nacional do México, os quais foram substituídos pela especulação financeira em prol do capitalismo de mercado cujo produto final é o bloco econômico NAFTA. Como vimos acima, as conseqüências imputadas pelo NAFTA abrangem a privatização dos ejidos e propriedades comunais permitindo deste modo a espoliação das comunidades indígenas as quais se vêem alienadas dos recursos necessários a existência destas, de acordo com Cano[6] é provável que este tenha sido o “estopim” para que em 1º de Janeiro de 1994 ao sudeste do estado mexicano de Chiapas o movimento insurgisse declaradamente.

O EZNL é composto da mescla do movimento de guerrilha urbana – válido lembrar que guerrilha aqui é definida no sentido da orientação marxista-leninista que visa por meio do conhecimento estratégico do território desorientar e coibir o adversário possuidor de maiores recursos armamentistas, em suma, o Estado – associado às comunidades indígenas, o movimento tem um caráter autônomo que privilegia o processo de democracia direta dentro da administração deste. Entre as peculiaridades abordadas no estudo do EZLN se encontram como especificidades oriundas dele a reorientação da visão marxista-leninista onde a idéia de tomada de poder por meio do aparelho estatal é descartada em função de um novo discurso aonde a sociedade civil como um todo venha a participar de uma nova constituição democrática por meio da consulta popular que dentro do movimento se realiza via ONGs, Internet etc. muito embora a organização do movimento se configure na forma de guerrilha armada a estratégia de difusão deste abrange também o conflito midiático instaurado por meio da utilização dos avanços tecnológicos tais como a Internet, satélites, celular etc. o que pode ser configurado como uma nova abordagem e práxis dentro dos movimentos de esquerda, além é óbvio de um redirecionamento da esquerda na luta contra o modelo neoliberal de sociedade, onde a interpretação do Estado como um aparelho de reprodução do capital e do condicionamento social é amplamente aceito, mas, a sua tomada como forma de reorganização é negligenciada buscando desta forma um novo modelo de organização social, uma reinvenção do conceito de democracia.

Os objetivos do EZLN atendem ao conceito de “Democracia, Justiça e Liberdade”. Como já citamos acima, os ideais do EZLN são divulgados dentro dos mecanismos sociais sabiamente “globalizantes”, fato que delega uma aparência contraditória ao caráter do movimento dado os ideais defendidos por estes. Os efeitos da globalização são sentidamente perversos em todo mundo atingindo inclusive os países centrais cujo são os quais mais se beneficiaram com a abertura de capitais e a “financeirização” global. No entanto, ao avaliarmos com mais clareza se torna evidente que não é a divulgação dos ideais do EZLN que são controversos dentro deste novo universo “globalizado”, mas sim a ordem do sistema globalizante já que o movimento zapatista se apresenta como um dos efeitos colaterais gerados pela globalização comprovando os efeitos negativos que esta vem causando em todo mundo enquanto em seu slogan é pregado a “democratização sem fronteiras’’. Assim, temos dentro deste contexto desigual a ruptura e insurgência do movimento declaradamente anti-imperialista, ou seja, o EZLN protagonizou, entre os dias 27 de julho e 03 de agosto de 1996, o Encontro Internacional pela Humanidade e contra o Neoliberalismo, tornando-se mundialmente conhecido como a Internacional da Esperança. Desta forma, o EZLN imputou a si a responsabilidade em ser a gênese do movimento antiglobalização contra o neoliberalismo em todo o mundo. Na carta de convocação para o encontro o subcomandante Marcos afirmou que é necessário construir uma nova cultura política e dissolver o poder entre aqueles que se aproveitam deste para submeter à vontade social.

Graças ao conflito midiático instaurado pelo movimento e pela responsabilidade assumida pelo grupo como a “Internacional da Esperança” o espaço de diálogo entre ele e os demais movimentos sociais aumentou, em contra partida as relações com o governo mexicano e mesmo com o estadunidense deterioram-se constantemente – válido lembrar, porém, que o EZLN tenta negociar “abertamente” com o Governo Federal expondo os acordos realizados por ambos no site do movimento –, sendo o movimento declarado na mídia como terrorista e etc. pelos respectivos governos.

Entretanto, a resposta do EZLN é clara e respaldada na Constituição de 1917 onde o artigo 39 garante o princípio dado ao povo mexicano afirmando que este detém o poder e a soberania para escolher a melhor forma de governar o país. Na Primeira Declaração da Selva Lacandona o Comitê Revolucionário – EZLN-CCRI: 2000 – apresentou o texto constitucional:“ A soberania nacional reside essencialmente e originalmente no povo. Todo poder público emana do povo e se institui em benefício dele. Em qualquer tempo, o povo tem o inalienável direito de alterar ou modificar a forma de seu governo.” Até mesmo a própria Constituição mexicana de 1917, oriunda da Revolução, assegura ao povo mexicanos o “direito a ter direitos” - Lefort: 1991.

Diante dos fatos evidenciados, concluímos que o movimento intitulado como: Exército Zapatista de Libertação Nacional é um movimento social legítimo respaldado não só na Constituição Mexicana como também na vontade soberana do povo! Assim, o EZLN nos permite ir além e reinterpretar os movimentos de esquerda dando um novo redirecionamento à esquerda mundial e uma nova possibilidade de se pensar um mundo livre do capitalismo. “Tudo que é sólido desmancha-se no ar” [7]menos a vontade inalienável do homem de se emancipar!

Bibliografia:

http://enlacezapatista.ezln.org.mx/

http://zeztainternazional.ezln.org.mx/

Barbieri, Renato. Licenciado em História pela UFRGS, Pós-graduação em História Contemporânea pela FAPA-RS. In “MÉXICO REBELDE: A LUTA DO EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL – EZLN”.

CANO, WILSON. In “SOBERANIA E POLITICA ECONOMICA NA AMÉRICA LATINA”. Cap. 6 (MÉXICO: TAN CERCA DE ESTADOS UNIDOS Y TAN LEJOS DEL PRIMER MUNDO).

HILSENBECK FILHO, Alexander Maximilian; CABRAL, Fátima Aparecida. Pós-graduando em Ciências Sociais – UNESP – FFC – Marília.

Profª. Drª. do Depto de Sociologia e Antropologia – DSA – UNESP – FFC – Marília. In “O EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL: NOVAS CONTRIBUIÇÕES PARA O PENSAMENTO E OS MOVIMENTOS DE ESQUERDA”.

Nascimento; Priscila da Silva. Estudante na Universidade Estadual Paulista - Marília-SP. In “O NEOLIBERALISMO NO MÉXICO E A EMERGÊNCIA DO MOVIMENTO ZAPATISTA”.

Neto; Wilson Silva Silvestre. Universidade Estadual de Londrina. In “EZLN: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES”.




[1]Cf. CANO, Wilson. Soberania e Política Econômica na América Latina. São Paulo: Editora UNESP, 2000,

[2] Segundo a estudante da Universidade Estadual Paulista - Marília – SP Priscila da Silva Nascimento maquiladoras podem ser definidas como: indústrias onde processo industrial ou de serviço é destinado à transformação, elaboração ou reparação de mercadorias vindas de fora do país, importadas temporariamente para sua exportação posterior.

[3] Os dados apresentados podem ser corroborados via consulta do capítulo 7 da obra de Wilson Cano referida na nota anterior.

[4] Expressão citada por Cano na avaliação do processo pode ser encontrada na pg. 429 da obra já referida, os itálicos também são de responsabilidade do autor.

[5] Para mais informações a respeito do contexto em que se deu a crise política ver Cano na obra já referida.

[6] Citação contida na pág. 435 em obra já referida do autor.

[7] Citação do Grande Karl Marx in “O manifesto comunista”.