segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O Tráfico e sua era romântica.

Durante esse mês escrevendo para minha monografia, sobre as crianças soldado no mundo e as crianças no tráfico no Rio de Janeiro, comecei a perceber diversos relatos sobre como o tráfico nas décadas de 50,60 e começo de 70 nas comunidades do Rio de Janeiro eram extremamente “românticos”.

Sim, você não leu errado o crime e o tráfico carioca tinham um alto teor de romantismo em suas ações, algo como uma atitude “Hobinhoodiana”. Após ler o livro de Luke Dowdney, Alba Zaluar, Misse e outros autores que abordam a temática das comunidades cariocas pude observar o quão importante os Donos das favelas como Rogério Lemgruber ou o Bugalhão eram importante para suas comunidades.

Para entender esse fenômeno é preciso voltar ao começo da urbanização carioca, mas propriamente ao começo do século XX, quando ocorre o primeiro choque de urbanização republicano do Rio de Janeiro. Foi durante esse período que começaram a se formar as conhecidas favelas nos morros cariocas como conhecemos hoje. Em 1904 Rodrigues Alves, então presidente da república, ordenou, baseado nas cidades europeias, uma reurbanização total da cidade, até então, capital da República. Organizaram-se então mutirões para a retirada de barracos e cortiços das áreas centrais, onde se amontoavam e provocavam a disseminação de diversas doenças como a varíola. Desta maneira desalojou-se toda a população mais pobre do Rio e os “empurrou” para as áreas periféricas, naquele momento os morros. O resultado desta operação foi a deterioração das condições de vida dos mais pobres, através de decisões políticas e uma modernização autoritária que desalojava e expulsava os moradores pobres das áreas centrais da cidade.


Estes fatores evidenciaram o total abandono das sociedades carentes cariocas desde seu início, foi a partir desta “brecha” e da necessidade de uma organização regional daquela região que se criaram as figuras dos Donos, os líderes regionais que no princípio eram bicheiros, assaltantes a mão armada, pistoleiros ou pequenos traficantes regionais. Esses Donos exerceram papel fundamental na criação e organização social das favelas cariocas. Instauraram relações sociopolíticas nas comunidades, instauraram regimes disciplinares (mesmo que a base de força) e supriam a necessidade dos moradores no lugar do estado. Logo estes líderes foram substituidos por pequenos vendedores de droga locais, algo como um pequeno tráfico regional. É neste período que começa à aparecer a mistificação do líder e o romantismo envolto nesse personagem.

Os líderes nas comunidades eram ,não só, os responsáveis pela instauração da ordem social, bem como os “únicos” provedores de recursos as sociedades carentes. É curioso observar em uma passagem do livro de Dowdney o sequestro, organizado por Lemgruber, de um dono de granja. Segundo a passagem em nenhum momento do sequestro Lemgruber age com violência, pelo contrário, desde o início do sequestro deixa claro, ao sequestrado, que não haveria violência por parte dele e seus comparsas com o sequestrado e, que na verdade somente desejavam que o dono da granja enviasse um caminhão de galinhas para o morro. O fim da história, como se pode prever, foi feliz, o dono da granja acabou por enviar 2 caminhões para a comunidade. Ao chegarem os caminhões as galinhas foram devidamente divididas entre os moradores. Em outro trecho é possível observar como os “ladrões” dividiam entre a comunidade seus ganhos dinheiro, comida e outros artefatos.

Era comum que na falta de um remédio, gás ou comida, prontamente o morador fosse ajudado pelo líder, pelo Dono, que estava ali para obter seus ganhos com a venda da droga, mas para também servir e ajudar comunidade. O respeito pelo morador era algo constante, era estritamente proibido o uso de drogas(basicamente maconha) na frente de crianças, trabalhadores e idosos, andar armado então nem pensar as penas para os traficantes que desobedecessem eram duras e poderiam envolver até a morte caso desrespeitassem os moradores.

Passagens como esta também podem ser observadas em filmes como Cidade de Deus ou 5 x Favela.

No entanto este cenário começa a mudar no final da década de 70, começo da década de 80. O comércio de drogas até então era pequeno, difuso e baseado na maconha. No entanto a chegada da globalização e crescimento voraz do capitalismo trouxeram consigo diversas mudanças na organização social das comunidades carentes. Pode-se apontar como fatores determinantes para essa mudança chegada da cocaína colombiana, a baixo preço, alta rentabilidade em relação a maconha e fácil acesso. Somam-se a esses fatores ainda:o crescimento do mercado de drogas; o aumento do policiamento violento e repressivo durante a ditadura; A chegada de armas leves de uso militar; o estabelecimento e a organização de facções de drogas de grandes proporções.

Com essas mudanças vieram as mudanças no relacionamento entre o tráfico e a comunidade, a paz não era mais eminente, começa a se tornar comum a visão de de homens armados nas favelas, crianças começaram as ser engajadas nos serviços relacionados ao tráfico, as guerras, motivadas pelos altos ganhos provenientes da cocaína, se tornaram comuns, mortes, assassinatos passaram a ser parte do cotidiano dos moradores.

O tráfico, motivado pelas leis do capitalismo no qual o interessante é sempre ganhar mais, levou consigo não só a vida pacata dos moradores das comunidades, como ambém o romantismo das favelas.


2 comentários:

  1. Realmente o romantismo das favelas já não se encontra mais na realidade brasileira e principalmente no Rio de Janeiro.
    Agora me pergunto para onde foram as centenas de traficantes que ocupavam os morros do Rio e numa cena memorável saíram correndo sabe-se Deus para onde. E os moradores que, querendo ou não, eram sustentados indiretamente pelo tráfico?
    A primeira batalha foi vencida pelo Estado e pelo apoio do povo, mas se queremos um Brasil melhor para as próximas festividades em que um país subdesenvolvido como o nosso se lançou, é necessário fazer muito mais.

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  2. O capitalismo enquanto relação social não mudou só o romantismo na favela, mudou a relação entre o Estado e a sociedade. É interessante notar o porquê o Estado "resolveu" atuar "agora" nas favelas...Quando a violência não voltar a atuar como fator inibidor de lucros, mas ao contrário como propulsor pergunto-me como é que o Estado e a sociedade reagirá....

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